quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Sangria nos hospitais


Em setembro passado, um recém-nascido morreu por asfixia no Hospital Municipal Ronaldo Gazolla, em Acari, devido à falta de óxido nítrico, gás medicinal racionado por motivo de economia, determinada pelo diretor administrativo Eduardo Moraes de Bonifácio. 

Em novembro, outra unidade do município, o Hospital Pedro II, em Santa Cruz, teve o serviço de hemoterapia suspenso por falta de pagamento aos fornecedores. A “doença” das duas unidades de saúde foi diagnosticada pelo Ministério Público estadual após três anos de investigação: corrupção. 

Durante a operação Ilha Fiscal, oito pessoas ligadas à Biotech Humana Organização Social de Saúde, entre elas dirigentes, foram presas acusadas de ter desviado pelo menos R$ 48 milhões dos dois hospitais, administrados pela entidade. 
A prefeitura afastou os dois gestores ligados à Biotech. Para os investigadores do Grupo de Atuação Integrada na Saúde (Gais) e da Coordenadoria de Segurança e Inteligência do MP, a OS foi responsável por uma sangria nas verbas repassadas pela prefeitura para o pagamento de fornecedores. 

Só na primeira fase da investigação, foram descobertos desvios em contratos que somam de R$ 151 milhões firmados pela Biotech com oito fornecedores de insumos e medicamentos. Essas empresas continuam a ser investigadas, e o desvio pode ser maior do que o estimado.
Em contraste com a penúria dos dois hospitais, os dirigentes da Biotech levavam uma vida de luxo. Com apoio da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas e de Inquéritos Especiais (Draco/ IE) e da Polícia Rodoviária Federal, foram apreendidos ontem nos endereços dos acusados sete veículos, entre eles um Bentley Cont. GT modelo 2012 (a mesma marca dos carros dos filmes de 007), um Mercedes SLK 250 e um G63 AMG, um Porsche Cayenne, um Range Rover Evoque, uma Ferrari Califórnia e uma motocicleta BMW R 1200. Também foram recolhidos R$ 1,459 milhão, US$ 12.840, 145 libras esterlinas, 11.300 euros e 15 liras turcas, além de 40 relógios das marcas Rolex, Mont Blanc, Patek Philippe, Panerai, Jaeger-LeCoultre, Allan Gisoni, Breitling, Hublot, Baume et Mercier e 200 joias.

Os irmãos Wagner Viveiros Pelegrine e Valter Pelegrine Júnior estão entre os presos. Eles são acusados de criar e comandar o esquema de corrupção. 
Também foram detidos os irmãos Cristina Izabel Cezário Turatti, Maurílio Turatti e João Mauro Turatti, apontados como braços financeiros da organização criminosa, Carlos Eduardo Sabino dos Santos, Eduardo de Moraes Bonifácio (diretor administrativo do Ronaldo Gazolla) e Bruno Simões Correia. Edson da Cruz Correia ainda está sendo procurado. De acordo com a denúncia, ele é casado com uma das sócias da empresa Cirúrgica Simões e teria sacado R$ 1,3 milhão em espécie na boca do caixa de um banco.

OUTROS 28 SÃO ACUSADOS NO PROCESSO
Além dos nove que já tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça, são réus no processo outros 28 envolvidos, entre eles João Luís Ferreira da Costa, ex-subsecretário municipal de Atendimento Hospitalar, Urgência e Emergência. Responsável por fiscalizar o contrato feito entre a OS e a prefeitura, ele é suspeito de ter dado respaldo à fraude do grupo, permitindo que a Biotech fosse enquadrada como uma organização social, entidade sem fins lucrativos autorizada a contratar serviços sem licitação. Além disso, ele era o responsável por monitorar os contratos e os pagamentos feitos pela OS a empresas. De acordo com a denúncia, João Luís citou num relatório uma visita à Associação Médico Gratuito (entidade da qual teria se originado a Biotech), atestando sua capacidade técnica e adequação para o serviço. Segundo o MP, no entanto, ele nunca vistoriou o imóvel, sendo incapaz de “minimamente descrevê-lo”. Há um ano João não trabalha mais no município. — A inexistência de mecanismos de controle efetivo sobre a aplicação de recursos públicos pela organização social, aliada à pífia fiscalização exercida pela prefeitura do Rio, colaborou para a prosperidade da atividade criminosa dos denunciados, culminando no desvio de verbas — afirmou o promotor Mateus Picanço Pinald, do Núcleo Executivo do Gais.
A investigação teve início em 2013, numa ação civil pública movida pelo MP, que já analisava contratos de compras superfaturadas e serviços não prestados pela OS.

De acordo com a apuração, as empresas fornecedoras do esquema superfaturaram contratos até 394% acima dos valores de mercado. Responsáveis pelo fornecimento de medicamentos, a Carioca Medicamentos, a Life Care e a Cirurgia Simões teriam recebido R$ 103 milhões e devolvido aos donos do esquema R$ 29,4 milhões. Responsáveis pela prestação de serviços de laboratório, a Vega Laboratório, aLog Service e a A.R. Branco teriam recebido R$ 63 milhões e desviado R$ 9,2 milhões para a organização criminosa. Além delas, as fornecedoras de equipamentos James e Chan e Shift 500 teriam faturado R$ 14 milhões, pagando R$ 5,5 milhões ao esquema. O grupo estaria agindo há algum tempo no setor público, sempre mudando de nome para se manter em atividade e escapar das denúncias.
A organização criminosa funcionava como uma nuvem de gafanhotos. Eles se aproximavam, dizimavam e se deslocavam. Eram tão ousados que se movimentavam usando novas pessoas jurídicas e novos alvos, como outras prefeituras, de forma a escapar da persecução penal— afirmou o promotor Mateus Picanço Pinald.

POLÍCIA PROCURA SE HÁ OUTROS ‘LARANJAS’ 
Segundo o delegado Alexandre Herdy, da Draco, a organização funcionava como um verdadeiro escritório do crime. Nenhum dos imóveis está no nome dos acusados. Todo o material apreendido em mais de 20 endereços foi levado para perícia, que vai levantar se há mais contratos com empresas “laranjas” do grupo para fraudes em outras prefeituras.
Procurado para comentar as denúncias, o prefeito Eduardo Paes disse que vai colaborar com as investigações:
— Se a fraude se confirmar, os culpados devem ser punidos e, se Deus quiser, o dinheiro será recuperado.
As empresas da família Pelegrine já receberam R$ 962,6 milhões da prefeitura desde 2007, de acordo com informações do Rio Transparente. Apenas por intermédio da Biotech, foram R$ 563,2 milhões a partir de 2012, sendo a maior parte recursos para administrar o Pedro II. Os outros R$ 399,4 milhões vieram da gestão do Ronaldo Gazolla, através da empresa GPS Total.





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