Com problemas de coração, o aposentado João Balbino da Silva, de 81
anos, deu entrada há um mês com pressão alta e quadro de acidente
vascular encefálico na emergência do Hospital Geral de Bonsucesso, que,
há quase dois anos, funciona em contêineres. Na última quarta-feira,
descobriu-se que ele contraiu VRE (Enterococos Resistente à
Vancomicina), bactéria com grande resistência a antibióticos. No último
dia 8, um parecer da Divisão de Engenharia do próprio hospital alertava
para risco de contaminação de pacientes devido ao mau funcionamento do
sistema de exaustão da emergência.
A unidade passou a ser chamada
de “emergência de lata” porque, há quase dois anos, três contêineres
passaram a servir de local de atendimento de pacientes. Era para ser uma
medida temporária, uma vez que a antiga emergência sofreria uma
reforma, orçada em R$ 8 milhões. Mas irregularidades constatadas pelo
Tribunal de Contas da União levaram à suspensão do contrato. A
precariedade da emergência foi mostrada pelo GLOBO em junho passado, com
flagrantes de pacientes sendo atendidos no corredor.
MPF e defensoria mobilizados
As
más condições do local podem estar ligadas às complicações de saúde de
João Balbino. Há cerca de duas semanas, a Defensoria Pública Federal e o
Ministério Público Federal deram entrada numa ação civil pública contra
a direção da unidade. É a primeira vez que os dois órgãos, que atuam em
polos distintos, estão juntos num processo contra um hospital no Rio.
—
Há cerca de um ano e meio, temos denunciado irregularidades na atual
gestão da unidade, que vão de troca de exames ao funcionamento da
emergência em contêineres. E, agora, já estou oficiando a direção da
unidade para saber se há outros pacientes contaminados. Se houver, quero
saber o que estão fazendo e se é caso de isolamento — afirmou ontem o
defensor público federal Daniel Macedo.
Na ação civil, há um
pedido de liminar para exigir que os pacientes atendidos na “emergência
de lata” permaneçam no máximo 24 horas na unidade. Caso seja necessária a
internação, eles deverão ser transferidos para outros hospitais
públicos ou privados, com as despesas pagas pela União.
João
Balbino foi internado no dia 26 de setembro. Durante o período que
permaneceu na emergência, apresentou uma celulite na perna. Em seguida,
foi diagnosticado que ele estava com o VRE. O caso veio à tona esta
semana, mas a data exata de quando foi dado o diagnóstico não foi
divulgada. Na sexta-feira, o paciente foi transferido para o setor de
Clínica Cirúrgica da unidade, e está em isolamento.
Morador da
Ilha do Governador, o paciente é cardíaco. A família foi surpreendida
pela notícia de que o estado de saúde dele se agravou. Mulher de João
Balbino, Maria disse que ele foi levado para o hospital após ter sofrido
um desmaio.
— Se ele pegou uma bactéria, foi lá no hospital. O
meu filho está o tempo todo ao lado dele para saber o que de fato
aconteceu — disse a idosa, que se recupera de uma fratura de fêmur e não
pode sair de casa.
Em nota, o Núcleo estadual do Ministério da
Saúde informou na sexta-feira que a contaminação daquela unidade foi
detectada pela Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do hospital, e
que todas as medidas técnicas cabíveis já foram tomadas. O Ministério
da Saúde afirmou ainda que o paciente tem sido mantido sob observação.
Segundo o comunicado, estão sendo feitos exames para saber se há outros
pacientes contaminados entre os 36 internados, mas até agora nada foi
constatado.
O diretor do Sindicato dos Médicos, Júlio Noronha,
disse que infecções por VRE costumam ser graves, em especial em
pacientes já debilitados ou com imunodeficiências, como transplantados
ou doentes com diabetes severas. Ele chamou atenção para a necessidade
de se agir rápido, uma vez que o contágio por este tipo de bactéria é
muito agressivo.
— Em 2007, houve uma situação semelhante no Hospital de Bonsucesso que levou alguns pacientes à morte — observou Noronha.
Emergência superlotada
O
diretor do sindicato lembrou ainda que os contêineres só têm capacidade
para cerca de 30 pessoas, mas há uma superlotação das unidades, que já
chegou a ter mais de 70 pessoas internadas.
O Hospital Geral de
Bonsucesso informou na sexta-feira que há ainda 36 pacientes internados
na Unidade de Suporte de Emergência. Uma análise feita pela divisão de
engenharia da unidade concluiu que o sistema de renovação de ar dentro
da emergência não estava funcionando bem. No setor feminino, só estariam
ocorrendo quatro trocas de ar, sendo duas delas com ar externo, e, no
masculino, três trocas, sendo uma e meia externa. O recomendável seriam
seis trocas, incluindo duas com ar externo.
A Comissão de Controle
de Infecção Hospitalar da unidade pediu que o problema fosse corrigido
para evitar riscos para os pacientes. O Cremerj também enviou ofício à
direção do hospital exigindo providências, no dia 10 deste mês.
No
início de 2011, a Controladoria Geral da União apontou irregularidades,
inclusive sobrepreço, nas obras da emergência. A reforma era feita pela
empresa Globotec.
A história se repete
Esta
não é a primeira vez que pacientes do Hospital Federal de Bonsucesso,
antigo HGB, são contaminados pela superbactéria enterococo resistente ao
antibiótico vancomicina (VRE). Há exatos cinco anos, 16 pessoas
morreram em decorrência de complicações causadas por essa bactéria.
Outros 33 também foram contaminados, mas receberam alta após o
tratamento.
Os casos no antigo HGB foram identificados em outubro
de 2007, na emergência do hospital, que acabou fechada dias depois. A
contaminação foi descoberta quatro meses após o Conselho Regional de
Medicina (Cremerj) denunciar a superlotação da unidade. Dos 16 doentes
com infecção confirmada, cinco estariam no Centro de Terapia Intensiva
(CTI) e os outros 11, divididos em unidades de isolamento dentro do
hospital, principalmente no segundo andar do prédio. As mortes começaram
a ocorrer entre outubro e novembro naquele ano.
Também em 2007,
outros casos de contaminação da superbactéria foram detectados no
Hospital Souza Aguiar, onde quatro pacientes foram vítimas da bactéria,
mas somente um desenvolveu a doença.
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