A multinacional norteamericana da saúde, UnitedHealth, adquiriu a
empresa líder do mercado brasileiro pelo valor de R$ 10 bilhões. Além
disso, a negociação implicou a transferência de um conjunto de mais de
20 hospitais. Mas, ao que tudo indica, a grande aposta do novo
controlador é mesmo o segmento de planos privados de saúde.
Passada a ressaca eleitoral dos municípios, o tema mais comentado na
área da saúde deixa de ser a dificuldade de atendimento à população em
razão da falta de recursos orçamentários. Não que isso tenha sido
resolvido com a eleição do prefeito e dos vereadores. Mas o que tem
chamado a atenção dos especialistas da área – além do importante debate a
respeito da falsa solução por meio das Organizações Sociais (OSs) – é o
negócio, literalmente bilionário, envolvendo a venda do maior grupo
privado brasileiro do setor, a Amil.
A transação teve início há vários meses e correu em sigilo entre as
partes interessadas: o grupo presidido pelo empresário brasileiro Edson Bueno
e a mega corporação norte-americana, UnitedHealth – maior do setor
naquele país e uma das maiores no mundo. Algumas informações só
começaram a ser reveladas de forma mais ampla a partir de meados de
outubro, quando as intenções foram confirmadas, bem como as cifras
envolvendo o negócio. O resumo da ópera é que a multinacional da saúde
adquiriu a empresa líder do mercado brasileiro pelo valor de R$ 10
bilhões.
Compra da Amil: legislação proíbe estrangeiros de operar hospitais
A estratégia de penetração dos novos atores no negócio de saúde em nosso País envolveu a compra dos planos de saúde do grupo Amil, que já havia adquirido a Medial há alguns anos e, assim, se consolidou como o maior agente privado do ramo. Além disso, a negociação implicou a transferência de um conjunto de mais de 20 hospitais pertencentes à empresa fundada por Bueno. No entanto, ao que tudo indica, a grande aposta do novo controlador é mesmo o segmento de planos privados de saúde, com a expectativa de ampliação e expansão de novos perfis de “clientes e consumidores”. Aliás, essa é exatamente a terminologia utilizada, confirmando a tendência de mercantilização radical desse serviço público, ainda que a Constituição Federal (CF) o assegure como um direito amplo e universal à nossa população.
A estratégia de penetração dos novos atores no negócio de saúde em nosso País envolveu a compra dos planos de saúde do grupo Amil, que já havia adquirido a Medial há alguns anos e, assim, se consolidou como o maior agente privado do ramo. Além disso, a negociação implicou a transferência de um conjunto de mais de 20 hospitais pertencentes à empresa fundada por Bueno. No entanto, ao que tudo indica, a grande aposta do novo controlador é mesmo o segmento de planos privados de saúde, com a expectativa de ampliação e expansão de novos perfis de “clientes e consumidores”. Aliás, essa é exatamente a terminologia utilizada, confirmando a tendência de mercantilização radical desse serviço público, ainda que a Constituição Federal (CF) o assegure como um direito amplo e universal à nossa população.
Não bastasse a magnitude dos valores envolvidos e a elevada
sensibilidade da matéria como futuro estratégico de uma das políticas
públicas mais importantes, a transação está marcada por um conjunto
preocupante de elementos obscuros e polêmicos. Vejamos alguns deles.
A CF estabelece, em seu artigo 199, a proibição de empresas
estrangeiras atuarem na saúde, “salvo nos casos previstos em lei”. Pois
bem, em 1998, tal aspecto foi regulamentado pela Lei nº 9.656 e não foi
previsto nenhum dispositivo autorizando a operação de hospitais. Ou
seja, em termos objetivos, continua sendo proibida a posse e a gestão
desse tipo de serviço por grupos como a UnitedHealth. Utilizando-se da
desculpa esfarrapada de que o “foco” do negócio são os planos de saúde e
que os hospitais seriam elemento secundário para o novo controlador, o
argumento foi aceito pela direção da Agência Nacional de Saúde
Suplementar (ANS), órgão regulador e fiscalizador do sistema, que
aprovou mesmo assim a venda sem nenhuma restrição.
Ameaça à concorrência e rapidez na aprovação
Por outro lado, a operação não foi objeto de avaliação por parte do órgão federal que cuida das condições de defesa da concorrência e risco de cartelização, o CADE. Além da venda caracterizar a continuidade de concentração de poder econômico do maior grupo atuante no setor, a condição de novo proprietário aponta claramente para uma ampliação estratégica de sua presença no setor econômico da saúde em nossas terras. Se adicionarmos o ingrediente de que sua lógica de funcionamento obedecerá, a partir de agora, aos interesses definidos pelos norte-americanos, causa estranheza a liberalidade com que tal acordo foi sancionado pelas instâncias do Estado brasileiro.
Por outro lado, a operação não foi objeto de avaliação por parte do órgão federal que cuida das condições de defesa da concorrência e risco de cartelização, o CADE. Além da venda caracterizar a continuidade de concentração de poder econômico do maior grupo atuante no setor, a condição de novo proprietário aponta claramente para uma ampliação estratégica de sua presença no setor econômico da saúde em nossas terras. Se adicionarmos o ingrediente de que sua lógica de funcionamento obedecerá, a partir de agora, aos interesses definidos pelos norte-americanos, causa estranheza a liberalidade com que tal acordo foi sancionado pelas instâncias do Estado brasileiro.
A agilidade com que o processo foi avaliado no interior da ANS também
chamou a atenção dos profissionais que acompanham o setor. Em geral, os
processos envolvendo o órgão regulador da saúde privada levam meses
para serem aprovados ou indeferidos. No caso dessa transação, a agência
levou apenas 2 semanas para emitir seu parecer final, conferindo o aval
para que a Amil fosse vendida aos americanos. O tratamento do dossiê com
tais requintes de “eficiência administrativa excepcional” põe novamente
em relevo a delicada relação entre os dirigentes dos órgãos reguladores
e as empresas objeto de regulamentação e fiscalização. É amplamente
conhecido o fenômeno chamado de “captura”, em que os interesses públicos
acabam sendo deturpados pela atuação dos responsáveis pelas agências
ocorrer mais de acordo com a lógica dos interesses das próprias
empresas.
No caso concreto, há evidências de que diretores da ANS freqüentaram
espaços da vida privada do presidente da Amil, além de terem sido dirigentes de empresas do próprio setor, como a concorrente Medial,
que terminou por ser vendida ao próprio grupo de Bueno. Assim, esse tipo
de relação incestuosa no âmbito público/privado coloca em cheque a
capacidade das agências defenderem, de fato, os interesses públicos e
dos usuários do sistema de saúde.
UnitedHealth: riscos de mercantilização e de americanização
A venda do grupo por valores bilionários deve servir como elemento de reforço da preocupação com o futuro da saúde pública em nosso País. A decisão estratégica do grupo norte-americano certamente levou em consideração cenários de longo prazo, construídos para o chamado “mercado” da saúde. Não obstante a determinação constitucional pelo caminho do SUS, o fato é que os sucessivos governos, no âmbito federal e demais, têm contribuído para o sucateamento do nosso sistema público de saúde. Ao promover contingenciamento de verbas orçamentárias, ao permitir a extinção de fontes importantes de financiamento (como a aceitação passiva do fim da CPMF) e ao estimular o modelo de privatização/concessão/terceirização por meio das OSs, o Estado brasileiro termina por sinalizar que sua opção estratégica pode ser mesmo pelo fortalecimento do setor privado na área. Só o futuro dirá.
A venda do grupo por valores bilionários deve servir como elemento de reforço da preocupação com o futuro da saúde pública em nosso País. A decisão estratégica do grupo norte-americano certamente levou em consideração cenários de longo prazo, construídos para o chamado “mercado” da saúde. Não obstante a determinação constitucional pelo caminho do SUS, o fato é que os sucessivos governos, no âmbito federal e demais, têm contribuído para o sucateamento do nosso sistema público de saúde. Ao promover contingenciamento de verbas orçamentárias, ao permitir a extinção de fontes importantes de financiamento (como a aceitação passiva do fim da CPMF) e ao estimular o modelo de privatização/concessão/terceirização por meio das OSs, o Estado brasileiro termina por sinalizar que sua opção estratégica pode ser mesmo pelo fortalecimento do setor privado na área. Só o futuro dirá.
Ora, se o caminho adotado será mesmo o da continuidade da chamada
“americanização” de nosso sistema de saúde, então faz todo o sentido o
investimento bilionário efetuado pelo grupo UnitedHealth. Porém, mais
uma vez, estaremos pegando o bonde errado e atrasado da História.
Os Estados Unidos estão justamente tentando promover importantes
mudanças em seu próprio modelo. Está em debate a possibilidade de
recuperação parcial da presença do Estado na saúde, uma vez que o
sistema de mercantilização absoluta revelou-se injusto do ponto de vista
social e incapaz de dar conta das necessidades de saúde da população
norte-americana. É claro que todo esse quadro foi dramatizado, ao longo
dos últimos anos, em função do aprofundamento da crise
econômico-financeira e da situação de penúria social.
No caso brasileiro, a estratégia do novo gigante da saúde parece
estar em sintonia com o discurso do governo a respeito da ilusão,
criteriosamente espalhada aos quatro ventos, a respeito da chamada “nova
classe média”. Ao invés de reforçar os aspectos positivos de inclusão
sócio-econômica e de recuperação das condições de vida de segmentos até
então excluídos, o governo opta por um caminho simplista e perigoso.
Parcela importante das famílias passou a contar com níveis mais elevados
de renda real por conta de fatores diversos, tais como o Bolsa Família,
os benefícios da previdência social, a recuperação dos valores do
salário mínimo e a elevação dos rendimentos mais baixos de uma foram
geral. Porém, é importante lembrar que trata-se de grupos de perfil
econômico da base da pirâmide social. Com isso, o discurso oficial acaba
sendo impregnado pelos interesses de aprofundar a mercantilização dos
serviços públicos, a exemplo da saúde e da educação.
Saúde privada e os riscos da qualidade no atendimento
O foco passa a ser a destinação de parte da renda suplementar para o consumo de todo tipo de mercadoria. E aí incluem-se as mensalidades de educação infantil, fundamental, média e superior, bem como a compra de planos privados de saúde. As novas camadas que passam a engrossar esses níveis um pouco mais elevados de renda familiar são bombardeadas com os padrões de consumo das faixas que se situam no alto da pirâmide. Como o Estado não consegue oferecer serviços de saúde de qualidade e na quantidade necessária, a ilusão de eventual satisfação das necessidades acaba ocorrendo por meio da oferta privada.
O foco passa a ser a destinação de parte da renda suplementar para o consumo de todo tipo de mercadoria. E aí incluem-se as mensalidades de educação infantil, fundamental, média e superior, bem como a compra de planos privados de saúde. As novas camadas que passam a engrossar esses níveis um pouco mais elevados de renda familiar são bombardeadas com os padrões de consumo das faixas que se situam no alto da pirâmide. Como o Estado não consegue oferecer serviços de saúde de qualidade e na quantidade necessária, a ilusão de eventual satisfação das necessidades acaba ocorrendo por meio da oferta privada.
Não construamos nenhuma fantasia a respeito das intenções da
UnitedHealth quanto à saúde de nossa população. Trata-se de negócio
apenas, puro “business”, nada mais. E a lógica de uma aquisição
empresarial envolvendo R$10 bilhões é a do rápido retorno sobre o
capital investido e a maximização dos ganhos daqui para frente. Como o
balanço contábil e financeiro de uma empresa capitalista envolve sempre a
superioridade das receitas sobre as despesas, a orientação será
arrecadar no limite superior e gastar o mínimo possível. Ora, uma
racionalidade dessa natureza obviamente deixa em segundo plano os
aspectos de qualidade de tratamento e os riscos a respeito da saúde e da
vida dos cidadãos.
Isso não significa isentar o serviço público de suas deficiências e
do longo percurso a percorrer para aperfeiçoar a qualidade do
atendimento proporcionado. Aliás, não fosse por tais problemas reais,
talvez não houvesse tanto espaço para o crescimento da alternativa
privada. No entanto, a mercantilização dos serviços de saúde apresenta o
sério risco de conferir ares de legalidade à exclusão, quando as
imagens dos indivíduos sendo barrados à porta de centros de tratamento e
hospitais nos vêem à cabeça. Caso a operação bilionária se confirme
mesmo como fato consumado, o caminho passa pelo reforço da regulação e
da fiscalização do poder público, com o objetivo de evitar que os
maiores prejudicados sejam, uma vez mais, os próprios usuários do
sistema.
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